Monday, November 30, 2009

O Adeus às Almas (inhas)

Às oito da manhã estávamos nas Alminhas. As paredes despidas e cheias de bostik e pregos tornaram o ar ainda mais frio. Sempre foi uma casa gelada: no Inverno, para ver televisão, eram precisos dois edredons e uma manta e um aquecedor colado às pernas. Antes de dormir (num quarto previamente aquecido durante cinco horas), o ritual era sempre o mesmo - uma viagem à cozinha para aquecer água para o saco de água quente. De manhã era o fim do mundo, a correr para a casa de banho, de nariz congelado e uma asneira na ponta da língua.
Chegámos às Alminhas às oito da manhã. Deitámos fora os últimos sacos de lixo, abrimos a porta aos senhores do gás e da água. Ficámos sem gás e sem água. Juntámos todas as coisinhas que ficaram para trás e que até pareciam poucas mas que afinal deram para encher dois carros. Fumei cigarros pela casa toda, coisa proibida (por mim inclusive) nos tempos em que a casa tinha gente. Os senhores das mudanças chegaram às 9h e devagar, tão devagar que nos ia dando um colapso nervoso a fazer contas às horas, levaram os móveis e os electrodomésticos um a um. E a casa foi ficando ainda mais vazia. E mais fria. E mesmo fartas de mudanças, fartas de acartar com coisas, cansadas e geladas e a maldizer o frio daquela casa - porra que é gelada raios partam - uma coisinha apertou-se cá dentro. Porque nem sempre a casa era assim. E quando o sol se punha a jeito, entrava pela janela da sala, reflectia na bola de espelhos e espalhava-se aos pontinhos brilhantes pelo tecto e pelas paredes. E na Primavera as árvores da rua de baixo largavam perfume à noite. E no Verão abríamos as janelas todas e o ar quente ficava lá dentro. E quando chovia muito a varanda ficava alagada porque o escoamento entupia e eu calçava as galochas às cores e com uma faca desentupia e a água saia em jorros lá para baixo e os vizinhos protestavam e nós escondiamo-nos a rir. À noite todos os loucos saiam à rua e não se aguentava o barulho, os gritos, as cantorias, as conversas aos berros, os carros a apitar, a música a ecoar por toda a travessa. Hoje chegámos às Alminhas às oito e no fim das escadas, lá em baixo, deixámos as chaves no correio do senhorio, quase - quase - sem olhar para trás. Cá fora um maluco revirava o nosso lixo, arrancando-o dos sacos onde descansava em paz e escolhia, muito compenetrado, toda a porcaria inútil que deixámos para trás.
E depois de três anos e muitos meses as Alminhas seguem caminho - quase sem olhar para trás (quase) - e fecham o estaminé. Foi bonito, que foi, mas tudo tem o seu tempo.
Se tiverem saudades nossas, nada temam, continuamos à distância de um link. A Leididi está aqui e a Mariana está acolá.
Ao Sebastião, um beijinho. Vai ser difícil não ter com que gozar, pois vai?

10 comments:

Nuno Andrade Ferreira said...

:)

penim said...

foi um prazer fazer parte da história daquela casa.

felizmente, sei que também vou fazer parte da próxima... e da outra a seguir... e de todas as que vierem.

beijinhos às três alminhas!

Alda Couto said...

Vai ser tão esquisito passar por lá agora! Se calhar já não vou mais àquele cabeleireiro...:(

c said...

snif... muita sorte para esta nova etapa!! mil beijinhos 'as alminhas!! :D

jjt said...

atrás.
uma porta fechada.
com o vidro que não reflecte mais. os nossos dias. que seguiam noite fora.

atrás.
uma porta fechada. que levava tempo a cerrar-se sobre si mesma. que levou tempo a fechar-se sobre o passado.
nas recordações vividas e sonhadas - do óbvio ao impensável.

atrás.
que as escadas não sobem mais.
nem descem - diz o esperto.
porta. vidro. chave. perdida no chaveiro de outros.

dentro.
do bolso.
o mesmo chaveiro.
as novas chaves.
os novos reflexos e sonhos.
abram a porta. decididas. que o melhor ainda está por abrir.


beijinhos

Davi Reis said...

Bonito este texto.

Beijinhos às Alminhas.

Mariana said...

temos direito a poema e tudo. Muito obrigada a todos por partilharem esta aventura connosco. Por fazerem parte da nossa história, da nossa vida. o melhor está (sempre) para vir e a porta já está aberta a novas vivências!

obrigada. beijinhos.

Happinêss said...

Depois de tudo o que foi dito, só me resta aqui deixar uma música de uma banda que sei que vocês adoram, aqui vai:

Scorpions - Wind of Change

I follow the Moskva
Down to Gorky Park
Listening to the wind of change
An August summer night
Soldiers passing by
Listening to the wind of change

The world closing in
Did you ever think
That we could be so close,like brothers
The future's in the air
I can feel it everywhere
Blowing with the wind of change

Chorus:
Take me to the magic of the moment
On a glory night
Where the children of tomorrow dream away
In the wind of change

Walking down the street
Distant memories
Are buried in the past forever

I fallow the Moskva
Down to Gorky Park
Listening to the wind of change

Take me to the magic of the moment
On a glory night
Where the children of tomorrow share their dreams
With you and me

Take me to the magic of the moment
On a glory night
Where the children of tomorrow dream away
In the wind of change

The wind of change blows straight
Into the face of time
Like a stormwind that will ring
The freedom bell for peace of mind
Let your balalaika sing
What my guitar wants to say

Take me to the magic of the moment
On a glory night
Where the children of tomorrow share their dreams
With you and me

Take me to the magic of the moment
On a glory night
Where the children of tomorrow dream away
In the wind of change

Leididi said...

lollllllllllllllllllllllllll

Joana Silva said...

Vou ficar triste, apesar de vos ler em silêncio, passava por cá todos os dias quase.. excepto agora que tive o blog e meio gás.. *
Um beijo enorme!